Língua e senso comum

Posted on 17/05/2011

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Confesso que vi de longe a polêmica sobre o livro indicado pelo MEC que aborda a temática do preconceito linguístico.

Não tenho tempo nem condições de escrever algo com mais aprofundamento por ora, mas devo dizer algumas palavras.

Em primeiro lugar, tenho visto um monte de gente dando opinião sobre o assunto que têm me feito lembrar do porquê eu não posso falar sobre física quântica ou teoria das cordas.  Eu não devo falar sobre esses assuntos porque eu os desconheço do ponto de vista científico – tudo o que eu pudesse falar ficaria no nível do senso comum e o campo da ciência não me permite riscos de falas sem propriedade.

Esquecem, pois, os que opinam, muitas vezes, que os estudos da linguagem, a linguística, também é um campo científico e, portanto, são temerárias as opiniões que se fundem unicamente no conhecimento de senso comum.

O caso do livro da ONG Ação Educativa se enquadra nessa questão.  Vi muita gente falando em erro ou incentivo ao erro, ou que o MEC defende que os estudantes podem falar errado, sem sequer discutir a noção de erro gramatical e em que ainda vale (se é que vale) essa noção.

Vi também gente criticando a noção de preconceito linguístico sem ter a mínima noção do que isso signifique.  Vi gente falando sobre o assunto que jamais ouviu falar em variação linguística, linguagem, ideologia, discurso, sociolinguística, etc.

Ou seja, vi muito achismo.

Vi também que os meios de comunicação, para discutirem o assunto e atacarem o governo, como de costume, convocaram os maiores defensores da gramática.  Como diz Marcos Bagno, assim como o mapa-mundi não é o mundo, a gramática e a norma culta não são a língua.

O livro e a questão avançam estudos de décadas.  Aplicam as noções mais pertinentes sobre o ensino/aprendizagem da língua.  Coisas básicas como compreender que não existe língua sem falantes e, portanto, a norma culta é uma abstração, não uma língua, já que ninguém a fala.  Compreender, fundamentalmente, que o estudante precisa ser conduzido a entender que há registros e variações diferentes, adequadas a contextos diferentes*.  E que todo mundo fala português corretamente, ainda que com variações, porque não existe outra língua portuguesa a não ser a falada.  Mesmo que Pasquales puristas digam o contrário.

*Por que é mais fácil as pessoas compreenderem isso se falarmos do uso de norma culta e não linguagem de Internet em ferramentas de chat online ou redes sociais como o twitter?  Por que todos são capazes de entender que o MSN exige um registro não-culto da língua (nem por isso incorreto), mas nem todos são capazes de entender que o morador da periferia, que não fala a língua do pat(d)rão, nem por isso fala errado?

Posted in: Discurso, Internet